1917 o ano das Revoluções
A Rússia em 1917 estava em profunda crise política. Governado de forma autoritária pelo czar Nicolau II, o país sentia os efeitos de uma situação social deveras difícil e delicada.
Descontentamento de largos sectores da população: camponeses, operários, burguesia e até a nobreza mais liberal. Motivos diversos e diferentes partidos e facções: miséria, concentração fundiária nas mãos da nobreza, salários baixos e miséria do proletariado, variadas razões para reclamar mudanças.
Politicamente a oposição estava dividida entre
- facção dos socialistas revolucionários que reclamavam partilha de terras, apoiada pelos camponeses.
- sociais democratas, divididos em bolcheviques mais extremistas (adeptos da via da ditadura do proletariado, da clandestinidade e acção directa) e mencheviques, moderados que consideravam necessária a existência de um partido de oposição no quadro do parlamentarismo.
- constitucionais democratas adeptos do parlamentarismo ocidental.
Contexto da revolução: a situação de envolvimento da Rússia no conflito mundial levou a uma situação insustentável de crise social e económica agravada pelas perdas territoriais que puseram em causa a política de participação na guerra seguida pelo czar e seus apoiantes ocidentais. Fome, inflação, pobreza da maioria da população, derrotas militares e clima de descontentamento e desânimo.
Como diz Hannah Arendt: "... since the end of the First World War, we almost automatically expect that no government, and no state or form of government, will be strong enough to survive a defeat in war."
Hannah Arendt, On Revolution, Penguin Classics, 1991, pp. 5
Da Revolução de Fevereiro à Revolução de Outubro
A revolta das mulheres contra o aumento do preço do pão, acompanhada por revoltas e greves dos operários e dos soldados contra a guerra provocou a revolução de Fevereiro de 1917 na qual o Czar foi obrigado a renunciar ao poder deixando a Rússia nas mãos dos partidos politicamente mais activos. Ministros e generais foram presos.
Os mencheviques e socialistas revolucionários asseguraram o controle do soviete de Petrogrado cujo chefe era o menchevique Tchkheidizé. Negociações entre os revolucionários e os constitucionais democratas conduziram ao poder o príncipe Lvov como chefe do governo provisório mas o clima conspirativo aumentou sob o impulso dos bolcheviques que conseguiram assegurar o controlo do soviete de Petrogrado no sentido de retirar o poder à burguesia e entregá-lo a um governo revolucionário.
Lvov e mais tarde Kerensky procuraram acalmar a situação e encaminhar o país no sentido do parlamentarismo ocidental mas o facto de não terem suspendido as acções militares e continuarem uma política pró-aliada fomentou um clima de revolta de rua numa estratégia revolucionária dirigida por Lenine entretanto regressado do exílio. Os sovietes, conselhos de operários, soldados e camponeses, controlados de início pelos mencheviques e socialistas revolucionários e mais tarde pelos bolcheviques formaram-se por toda a Rússia e tornaram-se a partir de Agosto de 1917, os pólos dinamizadores do movimento revolucionário.
As divergências entre bolcheviques, socialistas revolucionários e mencheviques levaram a um confronto de posições crescente ao longo desse ano de 1917. Lenine considerava que a fase burguesa não era necessária no caminho para atingir o socialismo. Nas teses de Abril, Lenine proclamava:
- a recusa da guerra
- distribuição das terras, estatização dos bancos e fábricas
- entrega do poder aos sovietes
O clima adensou-se. Os sovietes favoráveis aos bolcheviques foram perseguidos pelos governos provisórios. Os cossacos, entraram em Petrogrado e tentaram prender os bolcheviques mas estes defenderam a cidade e conseguiram manter o ímpeto revolucionário mesmo contra exércitos de cossacos. O governo provisório caiu e as populações tomaram progressivamente controlo dos campos e das fábricas. Os bolcheviques eram já maioritários nos sovietes de Petrogrado, Moscovo e Kiev. Os soldados desertaram da frente de combate permitindo às tropas alemãs e austríacas controlarem vastas regiões da Ucrânia e Rússia ocidental.
Em Outubro de 1917 o clima de sublevação transformou-se em movimento revolucionário orientado pelos sovietes bolcheviques e suas milícias, os Guardas Vermelhos, acabando por derrubar o governo provisório de Petrogrado. Na noite de 24 para 25 de Outubro (calendário Juliano) Petrogrado foi tomada pelos guardas vermelhos organizados por Trotsky, o couraçado Aurora disparou sobre o Palácio de Inverno sede do governo e o governo capitulou. Kerensky fugiu e os ministros foram presos.
O II Congresso dos Sovietes entregou no mesmo dia o poder ao Conselho dos Comissários do Povo presidido por Lenine. Trotsky recebeu a pasta do exército e Estaline a pasta das nacionalidades.
Da democracia dos sovietes ao centralismo democrático
O governo revolucionário presidido por Lenine tomou controlo da situação e iniciou a publicação de decretos revolucionários que procuravam legalizar as reformas revolucionárias já iniciadas e instaurar a ditadura do proletariado:
- Decreto sobre a paz - foi negociado o tratado de Brest Litovsk que permitiu um armistício antecipado com a Alemanha em condições muito desvantajosas pois a Rússia perdia grandes extensões de território. Esta paz separada provocou por sua vez o início do conflito com as ex-potências aliadas que invadiram os territórios da Rússia procurando combater a revolução e impedir a ocupação pelas tropas dos impérios centrais, dos territórios abandonados pelos Russos. Iniciou-se então a guerra civil.
- Decreto sobre a terra - colectivização das terras e entrega das colheitas ao Estado. Fim da grande propriedade fundiária da Coroa, da Igreja e dos particulares, sem indemnizações.
- Decreto sobre o controlo operário - colectivização das empresas, indústrias, minas, companhias de transportes, seguros, etc.
- Decreto das nacionalidades - proclamação da Carta do Povo Russo que reconhecia o livre desenvolvimento das diferentes etnias e minorias nacionais, evitando a revolta e conflitualidades internas.
- Decreto sobre a imprensa - liberdade de imprensa, reunião e associação
- 1ª Constituição Revolucionária - proclamando a Rússia como estado federal e multinacional, favorecendo o operariado e as suas reivindicações mas reservando o sufrágio directo e universal apenas para a constituição dos sovietes locais.
- Reunião da 3ª Internacional comunista que propôs a união de todos os partidos comunistas numa única organização o Komintern controlado por Moscovo e que defendia o movimento internacionalista comunista numa via marxista - leninista. Este movimento acabou por afastar as facções socialistas democráticas discordantes da ditadura do proletariado. Formaram-se a partir de 1919 partidos comunistas por todo o mundo.
Num quadro de ditadura do proletariado em que o Estado era controlado pelos proletários, era necessário assegurar a defesa da via comunista. Para isso Trotsky organizou o Exército Vermelho fazendo frente aos exércitos brancos dos países aliados e capitalistas, que invadiram a Rússia depois da Revolução. Emigrados e descontentes somaram-se aos exércitos brancos de invasores procurando aniquilar a revolução:
- anarquistas ucranianos
- socialistas revolucionários
- dissidentes
- burgueses financeiros e homens de negócios
- Kulaks (proprietários de terras)
- médios e pequenos camponeses descontentes
A guerra provocou enormes sacrifícios obrigando até 1921 a uma política fortemente centralizada e repressiva a nível interno, designada por Comunismo de Guerra. Devido à guerra a constituição foi suspensa, a assembleia dos sovietes extinta bem como os partidos políticos e estabelecido o regime de partido único. Criada polícia política - a Tcheka - campos de concentração e censura que suspendeu o decreto sobre a imprensa.
Aspectos da ditadura do proletariado tiveram realização no período de guerra civil com o comunismo de guerra. Partindo da definição para Lenine, de proletariado (diferente da definição de Marx) o comunismo de guerra foi um período em que camponeses e operários, definidos como proletários, configuraram o regime comunista entregando ao Estado as colheitas.
As medidas revolucionárias não foram aceites sem contestação. Piquetes de operários vigiavam a entrega de colheitas ao Estado. Nas cidades as fábricas tinham que trabalhar ao sábado e outros abusos dos direitos:
- As empresas com mais de 5 operários foram nacionalizadas cabendo ao Estado a redistribuição dos recursos.
- O trabalho tornou-se obrigatório dos 16 aos 50 anos;
- foi prolongado o horário de trabalho e a indisciplina foi reprimida.
Perante as medidas tomadas após a Revolução Soviética, explica a configuração ideológica do estado soviético pós-revolucionário. Elabora a tua resposta com referências e transcrições a algumas das medidas tomadas (doc. 15).
Resposta
Após a revolução de Outubro, o Conselho dos Comissários do Povo procurou lançar as bases de um estado comunista de acordo com as teses propostas por Marx e reformuladas por Lenine. Com o decreto sobre a terra que abolia sem indemnização a grande propriedade entregando-a aos camponeses, o Estado retirava aos grandes proprietários o controle sobre a produção agrícola e a propriedade fundiária (artigo 1) "A propriedade dos proprietários fundiários sobre a terra é abolida imediatamente sem qualquer indemnização". Também o decreto sobre o controlo operário dava aos operários o controlo sobre as instalações industriais e sobre a produção fabril retirando esse controlo aos grandes industriais e empresas internacionais que explorava a economia russa. O decreto sobre a paz, retirando a Rússia da guerra procurava responder aos anseios das classes proletárias e dos soldados e marinheiros, principal sustentáculo do novo regime soviético: "A paz justa e democrática, desejada pela esmagadora maioria das classes trabalhadoras..."
As medidas tomadas pretendiam atribuir às classes proletárias de que faziam parte não só operários mas também os camponeses, segundo Lenine, o controlo sobre o Estado saído da Revolução. O objectivo era retirar à burguesia o controlo sobre os meios de produção e desta forma avançar no sentido da instauração de uma ditadura do proletariado. O Estado soviético tornou-se o representante exclusivo e legítimo do proletariado que desta forma passou a deter o controlo de todo o estado russo. Toda a economia foi nacionalizada o que estava de acordo com as propostas de Marx e todos os sectores económicos da indústria e comércio passaram para o controlo dos operários e camponeses realizando-se assim a ditadura do proletariado.
A governação estava condicionada por duas forças: o Comité Central Executivo e o Partido Comunista. Desta forma, na Rússia, o Estado correspondia quase sempre à organização do Partido Comunista. Os sovietes tornavam-se assim simples orgãos de ligação entre o partido e o povo. No entanto o Comunismo de Guerra deu ocasião a Lenine e aos delegados bolcheviques para tomarem de assalto o poder.
- Assembleia Constituinte foi dissolvida já que os bolcheviques conseguiram apenas 25 % de votos nas eleições contra 58% dos socialistas revolucionários apoiados predominantemente pelos camponeses.
- Os partidos e jornais da oposição foram proibidos.
- Os sovietes foram expurgados dos elementos socialistas-revolucionários e mencheviques.
- Foi criada a Tcheca, polícia política.
- Criados campos de concentração.
As medidas mais duras e repressivas foram justificadas por Lenine pela necessidade de combater a contra-revolução. Para Lenine o socialismo distinguia-se do comunismo por este ser uma sociedade igualitária e sem classes onde o Estado não tinha polícia nem exercia repressão. Mas dado que tal não era desde logo possível, o socialismo asseguraria essa transição através de um Estado controlado pelo proletariado e pelo Partido Comunista que retirariam o poder à burguesia, período que se designaria de ditadura do proletariado.
A oposição crescente no país às reformas implantadas pelo Partido Comunista conduziram a uma governação monolítica e pesada, cada vez mais repressiva dos princípios democráticos, eliminando outros partidos e opositores em 1921 e 1922.
Centralismo democrático
Desde 1922, formou-se a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, estado federal e multiétnico reconhecido pela Carta dos Povos da Rússia. A formação de um estado tão heterogéneo a partir de um Império com as características do russo, reclamava uma organização fortemente centralizada.
- o povo votava nos seus representantes para os sovietes locais e regionais através de sufrágio universal.
- os representantes dos sovietes tinham acesso ao congresso anual dos sovietes da Rússia.
- O congresso dos sovietes designava um Comité Central Executivo (formado pelo Conselho de União e Conselho das Nacionalidades).
- Os dois conselhos do Comité Central designavam os orgãos do poder ou governo: o Presidium e o Conselho de Comissários do Povo.
Entretanto a divulgação das teses de Lenine e da revolução por todo o mundo levaram à fundação da 3ª Internacional ou Komintern em Moscovo em 1919, organização chefiada por Zinoviev.
A Nova Política Económica (1921 a 1927)
Acabada a guerra foi necessário reconstruir a União, porque:
- a população reduzira-se em 8%
- as cidades estavam despovoadas
- campos devastados e fábricas destruidas
- transportes parados
- baixa produção industrial
- baixa produção agrícola porque os camponeses apenas produziam o necessário para a sobrevivência das famílias.
- produção de cereais desceu para metade da de 1913
- Minas de hulha estavam inutilizadas
- caminhos de ferro paralisados
- redução drástica da produção industrial.
Procurando retirar o país da ruína em que se encontrava, foi adoptada uma política de reconstrução designada por NEP, Nova Política Económica, a partir de 1921. A ideia principal era aumentar a produção. Foram tomadas medidas para:
- recuperação da agricultura
- desenvolvimento e modernização da indústria.
- reactivadas medidas de carácter capitalista para estimular a produção através da concorrência, no pequeno comércio, artesanato e agricultura.
- suspensas as medidas de colectivização agrária.
- suprimidas as requisições agrícolas substituídas por imposto em géneros e depois em dinheiro.
- liberdade de comércio.
- desnacionalização das empresas industriais com menos de 20 operários.
- Arrendamento de fábricas a sociedades e particulares.
- Abertas concessões a empresas estrangeiras.
O Estado ao mesmo tempo tomou medidas para desenvolvimento das empresas na sua dependência:
- contratou técnicos estrangeiros
- reintegrou técnicos do tempo do czar
- investiu em grandes fábricas criando grandes concentrações industriais
- desenvolveu cooperativas agrícolas
- promoveu o investimento estrangeiro
- instituíram-se prémios de produção.
- construiram-se barragens e centrais hidroeléctricas
As medidas tomadas fizeram de novo crescer uma classe média de intermediários, Kulaks (camponeses médios) e nepmen (comerciantes) que detinham riqueza cada vez maior gerando oposição e crítica dentro do partido.
A morte de Lenine em 1924 veio colocar em dúvida o regime que sofreu até 1927 os efeitos de uma feroz luta política pelo poder entre Estaline e Trotsky. Estaline mais feroz e determinado acabou por vencer esta contenda e Trotsky viu-se obrigado a fugir da U.R.S.S.
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